“Uma sociedade que não valoriza o professor é uma sociedade anestesiada”, afirma vereadora eleita ao expor discrepância de remuneração no município.
A publicação do Edital nº 002/2024, da Prefeitura de Sorriso (MT), reacendeu o debate sobre a valorização dos profissionais da educação. O processo seletivo simplificado, destinado à contratação temporária de docentes e técnicos administrativos, evidenciou uma disparidade salarial que gerou revolta na classe docente.
Conforme o edital, enquanto um técnico administrativo, que precisa apenas do ensino médio, receberá R$ 6.753,21 por uma jornada de 40 horas semanais, um professor, com formação superior e a mesma carga horária, terá vencimentos de R$ 6.295,16. Para os professores que optarem por 20 horas semanais, o salário é ainda menor: R$ 3.147,62. Essa diferença, segundo educadores e lideranças locais, é um reflexo do descaso com a profissão que forma todas as outras.
“É um absurdo”, afirma vereadora eleita
Silvana Perin, vereadora eleita para o mandato de 2025 e ex-professora da rede municipal, manifestou sua indignação em um vídeo compartilhado com educadores da cidade.
“Nada contra os técnicos administrativos, que desempenham um papel essencial nas escolas. Mas como justificar que alguém com ensino médio ganhe mais do que o professor, que precisa se qualificar continuamente e enfrenta os desafios diários de uma sala de aula?”
Para Silvana, essa discrepância salarial não é nova, mas se agravou devido à ausência de reajustes reais para os docentes. “Enquanto os salários de outras categorias foram corrigidos para cima, os professores ficaram estagnados. Isso criou uma defasagem que agora é impossível de ignorar”, destacou.
A vereadora também lembrou do Plano Municipal de Educação (PME), aprovado em 2016, que previa a equiparação salarial dos professores com outros profissionais da educação até 2026. “Engavetaram o PME, e hoje vivemos esse retrocesso. Precisamos resgatar essas metas e colocá-las em prática com urgência”, afirmou.
Professores relatam insegurança e frustração
A indignação de Silvana ecoa entre os educadores de Sorriso, que enfrentam não apenas a disparidade salarial, mas também a instabilidade dos contratos temporários.
Uma professora contratada, que pediu para não ser identificada por medo de represálias, compartilhou seu desabafo:
“Todos os anos, vivemos a angústia do destrato. Não conseguimos planejar nossas vidas porque sabemos que, ao final do contrato, seremos dispensados. É como viver sempre na corda bamba.”
Ela também destacou que a ausência de concursos públicos regulares agrava a situação. “Desde 2018, não houve novos concursos para professores. Ficamos dependentes desses seletivos, que não nos oferecem estabilidade nem segurança”, afirmou.
Além disso, a professora relatou que seu contrato foi encerrado antes do previsto, reflexo das mudanças de gestão municipal. “Deveria trabalhar até o fim do ano letivo, mas fui dispensada antes. Agora, estou novamente na luta por uma vaga no próximo seletivo”, lamentou.
A desvalorização dos professores não afeta apenas os profissionais, mas também compromete a qualidade do ensino oferecido aos alunos. Para Silvana, o desrespeito à categoria tem consequências profundas para a sociedade:
“Sem motivação, como podemos esperar que os professores ofereçam o melhor em sala de aula? Quando o professor não é valorizado, é a sociedade como um todo que sofre.”
A vereadora destacou ainda que a falta de atratividade da profissão está afastando jovens da carreira docente. “Estamos formando menos professores porque a profissão deixou de ser viável. Quem vai querer enfrentar uma sala de aula sem valorização e com um salário inferior ao de outras profissões?”, questionou.
Um dos pontos mais enfatizados por Silvana é a capacidade financeira do município. Com uma arrecadação de R$ 3 milhões por dia, Sorriso tem plenas condições de corrigir essas desigualdades, segundo a vereadora.
“Os recursos existem. O que falta é vontade política e prioridade. Educação precisa estar no topo da lista, porque sem ela não há progresso.”
Ela defende o cumprimento das metas do PME e a adoção de um cronograma de reajustes salariais que façam justiça aos docentes:
“Não estamos pedindo privilégios, mas o cumprimento de compromissos que já foram assumidos. O professor não pode continuar sendo a profissão menos valorizada dentro da educação.”
Silvana revelou estar em diálogo com o prefeito eleito e com a próxima secretária de educação, confiando que a nova administração terá um olhar mais atento para a categoria.
“A nova gestão promete priorizar a educação. Estamos esperançosos de que será o início de um novo ciclo, com mais respeito e valorização para os professores”, disse.
A vereadora se comprometeu a usar sua posição no legislativo para pressionar por mudanças concretas.
“Tudo o que depender da Câmara Municipal será feito. Vamos trabalhar para aprovar ajustes orçamentários que coloquem os professores onde eles merecem estar: no centro das prioridades”, afirmou.
Para Silvana, a luta pela valorização dos professores não é apenas uma causa da categoria, mas de toda a sociedade.
“Educação não é só uma responsabilidade dos educadores. As famílias precisam entender que, sem professores valorizados, o futuro dos seus filhos está em risco. É preciso lutar juntos por uma educação de qualidade.”
A professora anônima também deixou um recado de esperança e resistência:
“Escolhi ser professora porque acredito no poder transformador da educação. Apesar das dificuldades, sigo na luta, mas espero que um dia isso seja reconhecido e recompensado.”
A disparidade salarial como reflexo de uma crise maior
O Edital nº 002/2024, que deveria ser apenas um regulamento técnico, trouxe à tona questões profundas sobre a valorização da educação em Sorriso. A diferença salarial, a instabilidade dos contratos e a falta de concursos regulares refletem um problema estrutural que exige atenção urgente.
Destinado à contratação temporária, ele estipula critérios rigorosos para professores, como formação superior específica e comprovação de títulos acadêmicos, enquanto cargos administrativos exigem apenas o ensino médio.
Essa diferença nas exigências para ingresso e a discrepância salarial foram os pontos mais criticados pela comunidade educacional. Além disso, o edital destaca a limitação de vagas, com muitas funções preenchidas apenas por cadastro reserva, o que gera ainda mais insegurança para os profissionais.
A desigualdade de condições e salários afeta diretamente a qualidade da educação ofertada nas escolas municipais de Sorriso. A falta de estabilidade profissional desestimula o docente, que já enfrenta uma série de desafios, como turmas numerosas e a ausência de recursos para atender às necessidades dos alunos.
Silvana alerta que, enquanto os professores não forem valorizados, os índices educacionais do município podem estagnar ou até regredir.
“A educação pública é o pilar para um futuro melhor, mas para isso precisamos de professores motivados, capacitados e, acima de tudo, valorizados. Sem eles, o progresso é uma ilusão.”
Embora o caso de Sorriso seja destaque, a situação reflete uma realidade comum em várias partes do Brasil.
A desvalorização do professor é apontada como uma das principais causas do desinteresse pela carreira docente. Cursos de licenciatura têm registrado quedas expressivas nas matrículas, enquanto muitos professores abandonam a profissão em busca de melhores condições de trabalho e remuneração em outras áreas.
Silvana chamou atenção para o papel da educação como motor de desenvolvimento nacional:
“Enquanto outros países investem pesado na formação e valorização dos professores, aqui seguimos tratando a educação como uma prioridade secundária. Isso precisa mudar.”
A vereadora eleita reconheceu que a luta pela valorização dos professores não será fácil, mas enfatizou a importância da união entre os profissionais, a sociedade e os representantes políticos:
“Os professores precisam continuar pressionando, mas também precisam do apoio da população. Essa é uma causa coletiva, que afeta todos os aspectos da nossa sociedade.”
Silvana destacou que o diálogo com a nova gestão municipal é um ponto de partida, mas que a pressão da sociedade será essencial para garantir que as promessas saiam do papel. “Precisamos de um movimento conjunto. Educação é o único caminho para transformar realidades, e essa transformação começa com a valorização de quem está na sala de aula.”
Entre as propostas para reverter o cenário atual, a vereadora eleita sugeriu algumas medidas imediatas e de médio prazo:
– Cumprimento do Plano Municipal de Educação (PME): Implementar as metas previstas, com ênfase na equiparação salarial dos professores até 2026.
– Aumento do número de vagas efetivas: Realização de concursos públicos regulares para estabilizar a carreira docente.
– Reajustes salariais anuais: Garantir aumentos reais, além dos ajustes inflacionários, para corrigir a defasagem atual.
– Melhoria nas condições de trabalho: Reduzir o número de alunos por sala, investir em materiais pedagógicos e oferecer suporte especializado para atender à diversidade nas salas de aula.
Ao encerrar suas declarações, Silvana reforçou a importância de manter a esperança e o engajamento pela educação:
“Não podemos desistir da educação. Cada professor que persiste nessa luta é um herói anônimo, que molda o futuro da nossa cidade e do nosso país. Vamos virar essa página juntos e construir uma sociedade onde a educação seja, de fato, a prioridade que tanto proclamamos.”
Enquanto isso, professores como a educadora anônima seguem enfrentando os desafios do presente, mas sem abandonar a crença no potencial transformador da educação:
“Escolhi ser professora porque acredito que a educação muda vidas. Só espero que, um dia, o Brasil perceba isso também e nos dê o reconhecimento que merecemos.”
A discussão iniciada com a publicação do Edital nº 002/2024 pode ser o ponto de partida para mudanças significativas em Sorriso. Com recursos, diálogo e mobilização, o município tem a oportunidade de transformar a realidade dos seus educadores e, consequentemente, o futuro de toda a sua população.